O maravilhoso romance “Amiga com Piscina” escrito pela autora Daiana de Souza e publicado recentemente é de fato uma grande preciosidade. O livro me tocou de diversas formas e em vários lugares e, nesse texto eu quero abordar algumas feridas que foram mexidas dentro de mim por essa excelente obra.
Em resumo, o livro gira em torno da vida de Leila, uma menina negra de pele clara que mora num bairro periférico de Macaé (minha cidade <3). Ela vive uma vida ausente de farturas com a mãe Ciléia, que trabalha constantemente para providenciar o melhor para Leila, juntas elas moram numa kitnet e o maior sonho de ambas é sair dali e desfrutar de uma casa espaçosa com muito conforto. Assim, a protagonista percebe uma drástica mudança em sua vida quando passa a estudar na escola técnica de Macaé e ter um amplo ciclo de amigos, dentre eles conhece a Marina, aquela que será mais íntima de Leila e vai presenciar com a protagonista situações embaraçosas, inusitadas e até momentos felizes e amorosos.
Iniciando minhas ponderações eu me identifiquei muito com a Leila (muito mesmo!!) principalmente porque também sou uma menina preta de pele clara que mora num bairro periférico e nós que fazemos parte desse “arquétipo” compartilhamos de sentimentos comuns sobre amor, amizade e até mesmo relacionamento familiar. A protagonista diversas vezes demonstra ter uma autoestima nenhum pouco consolidada, ao ponto de nem conseguir se ver como alguém merecedora de afeto e além disso possui um relacionamento que não é dos mais saudáveis com a mãe Ciléia.
Nesse sentido, eu quero abordar especificamente o relacionamento de Leila com Ciléia, pois, na minha opinião, merece ser destrinchado de forma mais cuidadosa. Ciléia possui falas e um comportamento típico de uma pessoa que nunca teve direito à humanização e que desde cedo teve que agir como adulta porque nunca soube o que é fartura, sempre trabalhou incansavelmente e para completar teve uma filha com um homem que se ausentou e por isso faz parte da grande estatística de mães solo do nosso país.
A personagem é uma mulher conservadora e que não consegue se conectar inteiramente com a filha porque sempre que pode está trabalhando pra garantir que a mesma não lide com a escassez. Dessa forma, Leila e Ciléia possuem aquele relacionamento de mãe e filha marcado pelo comodismo, onde conversas profundas e sinceridade não existem, apenas a correria do cotidiano e a vontade de garantir o básico. Inclusive a relação das duas me lembrou essa poesia da deusa Audre Lorde:
“Uma garota negra
tornando-se a mulher
que sua mãe
desejou
e pela qual orou
caminha só
e com medo
das raivas
de ambas.”
Além disso, outra relação importante desse livro e que eu não posso deixar passar é a da Marina com a Leila, uma amizade linda com altos e baixos. Já descrevi aqui como é a Leila mas agora quero falar mais sobre a Marina, uma menina branca com cabelos cacheados e muito privilegiada, isso porque desfruta de um alto padrão de vida e tem acesso ao lazer, bem estar e não possui aquele sentimento de sobrevivência como a sua amiga. Ao longo da história podemos perceber como esse contraste interfere na amizade, até mesmo em como a Leila se sente e não consegue deixar de comparar sua vida com a da amiga.
Porém, o que mais me chamou atenção nessa amizade é aquilo que a divina bell hooks (sim, pela milésima vez falo dela) chama de amizade romântica. A autora utiliza esse termo no seu livro “Comunhão: a busca das mulheres pelo amor” e é basicamente quando uma amizade feminina chega num nível tão profundo que é possível conhecer o amor verdadeiro através desse vínculo.
Nessa história presenciamos a busca pelo autoconhecimento e até mesmo amor próprio através dessa amizade, nesse livro que citei a bell hooks afirma: “Amizades românticas são uma ameaça ao patriarcado e à heteronormatividade porque contestam fundamentalmente a suposição de que ter uma relação sexual com alguém é essencial para todos os laços íntimos significativos e duradouros.” (p. 248). Por consequência, o final de Amiga com Piscina foi indigesto e delicado para nós que acompanhamos essa trajetória de uma amizade romântica e muito afetuosa, porém foi um final muito necessário para entendermos aquilo que Gloria Jeans escreveu no final de seu livro “E, no fim das contas, é esse amor que nos sustenta e dá significado à vida.” (p. 255)
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