Como as letras das gêmeas Tasha e Tracie atravessam a vivência da juventude negra?

 


Nesse texto eu escolhi desbravar as letras das gêmeas Tasha e Tracie, primeiro porque são minhas artistas favoritas na cena atual do rap e além disso entregam talento, carisma e autenticidade, como também possuem letras repletas de profundidade, onde abordam desde empoderamento feminino negro até suas vivências na periferia de São Paulo, onde cresceram. Assim, eu quero começar pensando sobre a música que fez com que eu me apaixonasse por essas artistas, o nome é “Salve”, foi lançada em 2020 e fala muito sobre superação às dificuldades sofridas principalmente por aqueles que são marginalizados pelas camadas dominantes. Assim como o desejo de realizar seus sonhos e adquirir itens que por aqueles que sempre tiveram acesso pode ser considerado “fútil”, mas pra quem já lidou com a escassez realmente é uma grande conquista, como o seguinte trecho reflete sobre: 

Não é questão de luxo, faça o favor
É questão que fartura alegra o sofredor
Quem sempre teve tudo nunca vai entender
O que é cantar uma vida até você viver

É possível perceber que as artistas assim como a maioria das pessoas que nascem e crescem na periferia enfrentaram inúmeras dificuldades para ascenderem socialmente e enfim viverem aquilo que tanto cantaram. O que nem sempre acontece com as pessoas marginalizadas na estrutura social em que vivemos, pois não possuem uma garantia de mudança de condição e acabam perpetuando uma luta contra um ciclo de pobreza. De modo semelhante, as rappers abordam novamente em suas letras sobre a batalha para obter suas conquistas e realizar seus sonhos, diferentemente de pessoas que pertencem a uma camada da sociedade mais privilegiada e simplesmente herdam e não enfrentam variados obstáculos. Como cantam em "Cheat Code": 

Pra ter o que você tem só precisa de um pai que pague
Pra fazer como eu faço, muita vivência de base

Ademais, vale ressaltar esse trecho poderoso dessa mesma música que faz alusão ao fato de que esse setor marginalizado e oprimido da sociedade, que não se enxerga representado majoritariamente em espaços de poder e que enfrenta problemáticas relacionadas à mobilidade urbana, racismo, lgbtqia+fobia e misoginia, sustenta a pirâmide social fazendo presença na base e no topo (mesmo que indiretamente) sustentando-o, como elas cantam:

Trampa de noite e de dia, nóis é o topo e a base

Além das temáticas aqui abordadas as artistas também retratam empoderamento, ressignificando determinados símbolos e fazendo com que meninas negras faveladas possam se sentir acolhidas e abraçadas, amando cada traço seu e fazendo do próprio corpo um lar. Tirando essas mulheres desse lugar de preterimento que a estrutura social racista as coloca diariamente. Como elas perfeitamente exemplificam na música "Amarrou", presente também no álbum Diretoria: 

Drip de negona
Nasci com a boca que elas compra
Cacho de colombiana
Unha de brasileirinha

E fazendo referência ao que falei no último texto, a representatividade importa na construção do imaginário de crianças negras sobre si mesmas moldando a forma que se enxergam a partir do modo que são representadas, portanto se esses indivíduos nunca estão presentes ou quando estão são retratados de modo caricato isso vai reverberar na forma que se veem podendo gerar até mesmo autodepreciação. Como as gêmeas abordam em "Poco":

Não me amo se não me vejo

E as mais brabas também fazem referência a figuras históricas em suas letras, quando por exemplo citam o Mansa Musa, um rei africano que é considerado por alguns estudiosos o homem mais rico da humanidade, apesar de haver controvérsias com relação a essa afirmação o que quero levar em consideração aqui é o caráter decolonial nas letras das gêmeas que fogem de figuras eurocêntricas já conhecidas para fazerem referência a um símbolo de riqueza e assim optam por um imperador do reino Mali e não tão difundido popularmente. Inclusive, a letra está no hit "Tang":

Sempre chave, mano, sem estilista 
rica igual o Mansa Musa

Eu quero finalizar esse texto apenas fazendo uma citação de uma poesia da maravilhosa Upile Chisala em Eu destilo melanina e mel que cabe perfeitamente quando nos referimos a importância que mulheres negras como Tasha e Tracie possuem numa sociedade como a nossa e o impacto que elas têm: "Hoje e todos os dias, / Sou grata pelas mulheres negras que amam/escrevem/criam/se emocionam /  a partir de suas raízes /  e nunca / pedem desculpas por sua magia." Enfim, espero que esse texto possa ter te tocado de alguma forma e apenas ouça Tasha e Tracie!! <3
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